sexta-feira, 14 de maio de 2010

Amigos do Plá

Final de noite de uma quinta-feira, o dia estava meio tedioso mas a aula fechava com uma das matérias que mais gosto, desde os tempos de meu antigo professor Cássio. Assunto vai, assunto vem, o professor contou que precisava fechar nossa nota bimestral mas não queria fazer uma prova, então nos sugeriu escolher entre um trabalho escrito e um vídeo que tratasse dos assuntos vistos em sala de aula. É óbvio que o vídeo ganhou com quase 100% dos votos.
Aí eu me animei, pensei em mil e uma possibilidades. Já estava pensando em um roteiro digno de cinema até que o professor soltou a frase que eu tanto temia: "então, escolham os grupos". Nesse momento fiquei totalmente desolada, me senti como o garanhão da madrugada que acabara de tomar uma baldada de água gelada, entrei em desespero.. e passou. Como de costume, fiquei sem grupo e achei que talvez durante as próximas aulas achasse algum que eu pudesse me infiltrar e ficou por isso mesmo.

No dia da entrega do trabalho, que inclusive teve ótimos vídeos, acabei tendo de falar com o professor sobre o que havia acontecido e tentar salvar minha tão desejada notinha. Por sorte, ou não, a Joanna não havia ficado sabendo desse trabalho sabe-se lá por quê e também estava sem grupo, então surgiu a oportunidade de fazer algo com ela. Joanna, toda poderosa, não queria um vídeo por conta de sua falta de tempo e convenceu o mestre a nos deixar fazer algo impresso. Ebá. \o/
Durante conversas em como deveria ser esse trabalho, Joanna pensava em tratar de algo mais voltado ao preconceito. Eu não concordava muito com aquilo porque acabaria ficando com um ar MUITO pessoal, principalmente por parte dela. Aí entramos no acordo de tratar da exclusão social como um todo e assim fazer uma foto que mostrasse isso. Até pensei em colocar uma foto nossa, seria justo.
Como já era de se imaginar, Joanna por conta de assuntos pessoais não pode me acompanhar para a sessão fotográfica e eu como não queria e nem podia ficar sozinha no centro de Curitiba com uma câmera daquelas resolvi procurar alguma companhia máscula e forte que pudesse me proteger e espantar eventuais mals elementos que pudessem tentar fazer algo comigo e com a maquininha. Na falta desse homem, acabei chamando meu namorado mesmo, sem contar que o moçoilo poderia me ajudar.

Pronto, tudo certo para o dia das fotos, fui logo pela manhã no laboratório de comunicação buscar a câmera toda feliz. Chegando lá, com o Guilherme já ligando desesperado pra saber onde me encontrava, fui na secretaria falar com uma simpática moça que alí estava e pedi a câmera emprestada.
- Aham, e sua autorização cadê?
"Autorização? Como assim Autorização?!"
Eu não lembrava mesmo desse ponto e tive que dar meus rebolissos alí na hora pra conseguir a câmera emprestada.
- Ah moça, mas nem é trabalho de fotografia, é sociologia com o professor Marcelo e não tinha como pegar autorização. Esse trabalho é pra amanhã e vale minha nota SEMESTRAL, por favor me deixa levar!
Fiz cara de quem iria ficar aos prantos alí pro resto da vida.
- Aaaí, tá bom vai, mas você tem que me devolver essa câmera até às 17:00h.
- 17:30!
- Tá bom.
Juro por Thor e Odin juntos que nesse instante eu quase pedi a mulher em casamento tamanha minha felicidade.

Catei a Nikon D40, toda bonitinha, e sai correndo encontrar meu namorado já muito puto, com o perdão da palavra, me esperando no tubo¹ que tem alí em frente. Pegamos um biarticulado sentido Carlos Gomes e paramos em frente ao Estação, meio sem saber o que fazer, o Guilherme deu a ideia de irmos no terminal do Guadalupe pra registrar algumas cenas.
Sem brincadeira, o que se vê naquele terminal é impagável. Logo chegando demos de cara com uma senhora que falava sozinha e tremia, se alguém a olhasse de forma diferente ela xingava. Além disso, muitos deficientes que pediam ajuda e eram ignorados, sem contar a quantidade de sujeira e pessoas minimamente estranhas que circulavam pelo local.
- Meio Circo dos Horrores aqui né?
- Sim, mas é normal - Disse Guilherme.
Eu e ele igual a duas crianças com um brinquedo novo na mão, fazendo de tudo para tirar boas fotos, o que seria perfeito alí se não fosse a pouca luz do lugar e a falta de experiência de quem estava manuzeando o brinquedo. Já conformados com a ideia de que naquele lugar boa coisa não sairia, pensamos em ir pra Rua XV, que diga-se de passagem é o point da capital. No curto caminho até lá lembrei de um amigo vindo de São Paulo que me disse tempos atrás que Ctba era uma cidade perfeita se não fosse a quantidade de mendigos.
Pois é, e cadê os mendigos quando a gente precisa? Não haviam nem aqueles punks que normalmente ficam alí vendendo suas obras primas feitas de arame.
Andamos mais um pouco até parar em frente daqueles senhorinhos engraxates que causam ódio mortal a quem alí passa de tênis por sua insistência em querer engraxar nossos belos pares de "sapato". Por alguma razão, do nada surgiu um homem pralá-de-bagdá em nossa frente e todo nervoso perguntou ao meu namorado.
- Você rapaz! Lembra de mim?!
É óbvio que o Guilherme respondeu que não.
- Eu sabia que não. Ninguém lembra de mim! Isso porque sou bêbado.. Porque sou bêbado..
E assim como chegou do nada, foi embora nos deixando alí com cara de paisagem.
"Se desse pra tirar foto do que ele disse eihn."

Continuando nossa jornada atrás de flagrantes de exclusão social, ficamos brincando de tirar foto de tudo até chegar em frente ao Palácio Avenida. Alí olho instantâneamente pro lado e vejo um senhor catando latinhas.
"Ufa! Até que enfim!"
Puxei o Guilherme pro outro lado da rua pra ter um melhor angulo daquela cena e tirei fotos, todas desfocadas. Parei pra ver por que raios as fotos estavam desfocadas e me virei...
"Ué, cadê o Floyd?"
Quando me dei conta, ele estava atrás do catador de latinhas, olhando um senhor que tocava violão no melhor modo Raul Seixas de ser. Fui até lá ver o que se passava e percebi que aquele homem cantava pra todos mas poucos ouviam. A grande maioria nem dava bola.
Rolou uma identificação muito grande com aquilo. Me permiti tirar fotos daquele homem não com a intenção de fazer fotos pra um trabalho, mas pra registrar uma daquelas cenas que te confortam mas incomodam ao mesmo tempo. Quando o homem viu que eu estava tirando fotos, sorriu e parou pra conversar conosco. No chão, havia uma grande folha branca com um desenho dele centralizado e em volta vários recados deixados por pessoas anonimas. O Plá,como ele se apresentou, disse que a mensagem dele naquele dia tão frio era o de propagar a paz. Disse também que além das músicas, escreve e tem uma exposição na feirinha do Largo da Ordem. O malandro até tentou nos empurrar um CD das músicas dele.
Pra não fazer desfeita, meu namorado comprou um livrinho de suas poesias, então Plá me passou um cartão bem simples com o link do seu MySpace, comunidade no Orkut, telefone de contato e e-mail, me pedindo para lhe enviar as fotos tiradas dele.
Então continuamos firmes e fortes na nossa luta de encontrar alguma cena chocante. Ao ver alguns carrinheiros alí na Boca Maldita peguei a câmera, me inspirei e cliquei!
"Bateria fraca."
Aquela danadinha da moça da secretaria me entregou uma máquina sem bateria, que legal. Depois daquilo, desistimos de continuar as fotos e fomos para o Largo dar uma sentada nas ruínas como de costume. Na subida pro Largo encontramos um outro maluco, mais maluco ainda, que olhou pra câmera e disse: "nossa! Isso é um canhão né? Espera anoitecer pra você ver as 'coisas' que você consegue gravar com isso! Eu vejo todo dia crianças pequenas assim óh!" e fez um gesto de como quem fuma cachimbo. O cara estava bem loco também, tinha um gira-sol pendurado no pescoço, até disse algo sobre mas eu não dei muita atenção, então subimos.
Já nas ruínas eu pensei "bem que a moça poderia ter enviado uma bateria reserva também né?". E não é que havia mesmo! Mas eu já nem queria mais tirar fotos. Foi quando o Floyd olhou a lente e perguntou "e se eu mudar aqui? Tirar de macro?". Eu me virei com ódio nos olhos e troquei o modo da lente. Incrível como as fotos começaram a sair com foco perfeito desde então.

Depois de devolver a câmera fui pra PUC mooorta de cansada, mal conseguia prestar atenção na aula. Contei tudo o que havia acontecido pra Joanna e disse que faltava escolher uma foto e depois editar. Aproveitei para lhe mostrar o livrinho adquirido naquela tarde. Foi quando peguei o livrinho de poesias e comecei a ler. Achei as poesias engraçadas pela simplicidade, já Joanna as achou interessantes e sinceras. Depois olhei o cartãozinho e o que mais me chamou a atenção no cartão foi o nome da comunidade; "Amigos do Plá"
Aquilo foi o fator decisivo pra escolher uma das fotos dele pra fazer parte do trabalho.



Pobre Plá. Se ele descobre que usei sua imagem para um trabalho contra exclusão social...



¹Tubo = Estações de ônibus curitibanas.